LEIA A DECISÃO DA JUÍZA:
PROCESSO
0008633-66.2017.4.03.6181
Autos com (Conclusão) ao Juiz em 15/03/2019 p/ Despacho/Decisão
* Sentença/Despacho/Decisão/Ato Ordinátorio
Trata-se de inquérito instaurado para apurar a suposta prática dos delitos previstos nos artigos 317 e 333, do Código Penal, em tese por Luiz Inácio Lula da Silva (“Lula”) e Luis Claudio Lula da Silva.A investigação teve início após colaboração premiada de Alexandrino de Salles Ramos Alencar e Emílio Alves Odebrecht apontar que, a partir do ano de 2011, Lula, na qualidade de ex-presidente do país, teria auxiliado o grupo Odebrecht a obter benefícios perante a então presidente da República, Dilma Rousseff, mediante auxílio do grupo a projetos pessoais de seu filho, Luis Claudio.Em decisão nos autos do AgRg na Pet 6842, o Min. Edson Fachin determinou o encaminhamento dos autos a esta Seção Judiciária de São Paulo (fls. 03/06).Em decisão de 18 de julho de 2017 (fl. 12), foi determinada a baixa nos autos nos termos da resolução 63/2009, para prosseguimento das investigações.Às fls. 454/493, a Autoridade Policial representa pelo declínio de competência a uma das varas especializadas em lavagem de dinheiro desta Subseção Judiciária.Em 15 de janeiro de 2019 (fl. 502), este juízo intimou o MPF para que se manifestasse sobre a representação policial.Em 14 de março de 2019 (fl. 506-verso), os autos foram devolvidos ao MPF, sem manifestação, em razão de inspeção nesta Vara.É o relatório.Decido.Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que este juízo, por cautela, encaminhou os autos ao MPF para que se manifestasse sobre o quanto requerido pela Autoridade Policial.Decorridos aproximadamente 60 dias, o MPF sequer se manifestou. Ao revés, os autos somente foram devolvidos em razão da necessidade de inspeção judicial a ser realizada nesta Vara. Referida inércia contribui severamente para a inefetividade da persecução penal, e não pode ser tolerada, motivo pelo qual passo a me manifestar sobre a representação policial.Destaco, ainda, que eventual nulidade, se existisse, poderia (e apenas a título meramente argumentativo) ser alegada no caso de ausência de intimação do MPF. Este não é o presente caso (já que o MPF dispôs de 60 dias para se posicionar), mas sim de ausência de manifestação.Para decidir sobre a representação policial, é necessário, ainda que de maneira superficial, uma breve análise sobre o que foi coletado até aqui.Como narrado acima, o ex-presidente Lula teria mantido contato com membros da empresa Odebrecht com o intuito de favorecer a empresa perante a gestão da então presidente Dilma Rousseff; como contrapartida, a empresa ficaria responsável por financiar projetos pessoais de seu filho, Luis Cláudio.A partir disso, Alexandrino Alencar (Odebrecht) teria procurado a empresa “Concept”, com o intuito de beneficiar a empresa de Luis Claudio, Touchdown, a desenvolver o futebol americano no Brasil. Adalberto Alves, representante da Concept, por sua vez, afirmou que a empresa foi principalmente remunerada pela Odebrecht, contudo prestou serviços para a empresa Touchdown: segundo consta, a Odebrecht teria arcado com valor aproximado de R$ 2 milhões (comprovado por meio de extrato bancário às fls. 428/429 e demais documentos juntados aos autos), ao passo que a Touchdown teria desembolsado aproximadamente R$ 120 mil (fl. 67).Apesar das expressivas quantias pagas, não houve sequer a formalização de qualquer contrato. Por sua vez, a empresa Touchdown teria comprovado o pagamento de aproximadamente R$ 150 mil.A Autoridade Policial ainda aponta outros elementos que, no seu entendimento, possuem severas inconsistências:” A empresa Touchdown recebeu ao longo dos anos vultuosas quantias (mais de R$ 10 milhões) de grandes patrocinadores, apesar de seu pequeno capital social, de apenas R$ 1 mil (fl. 317);” Os serviços prestados pela empresa Concept estão aproximadamente 600% acima do valor de mercado, haja vista que, segundo afirmado por Adalberto, os custos da atividade realizada seriam em torno de R$ 300/400 mil;” Há indícios de utilização de intermediários (“laranjas”) para o pagamento de valores suspeitos. A esse respeito, destaque-se o pagamento de R$ 846 mil (fls. 327/330), apenas no ano de 2013, a empresa com capital social de R$ 1,00, cujo objeto social diz respeito à animação de festas (recreação, e fabricação de doces e salgados). Segundo a Autoridade Policial, a representante desta empresa (Roseane Matos), antes de começar a receber valores da Touchdown, possuía renda mensal de apenas um salário mínimo” Conforme a Autoridade Policial, a própria Confederação Brasileira de Futebol Americano (fl. 474) nunca obteve um patrocínio anual, tampouco investimentos que se protraíssem por anos, de expressivos valores, e sem ter havido sequer formalização por meio de contrato, caso dos benefícios que teriam sido auferidos pela Touchdown;” Não apenas a Autoridade Policial, mas também a Receita Federal viu indícios de irregularidade nas transações em questões, entendendo caracterizada possível omissão de receitas pela Touchddown (fls. 439/444);” Por fim, causou estranheza à Autoridade Policial que a Touchdown comprove pagamentos apenas a partir de 03/12/2012, ao passo que os serviços já eram prestados ao menos desde 16/03/2012 (fls. 375/385), bem como, desde 02/05/2012, a Odebrecht já estar realizando pagamentos à Concept.No caso dos autos, haveria, ao menos em tese, condutas destinadas a ocultar ou dissimular a origem de valores provenientes de infração penal, tais como pagamentos parciais com a intenção de oferecer aparência de licitude, triangulação de valores, utilização de interpostas pessoas, entre outras práticas.Destaque-se inexistir, neste momento, qualquer juízo de valor ou valoração de provas, mas tão somente a narração de determinados fatos e a potencialidade para que possam se amoldar a determinado tipo penal.Ademais, trata-se, como se vê, de modus operandi similar a casos similares que tramitaram em varas especializadas em crimes de lavagem de dinheiro. Exemplificativamente, consta dos autos (fls. 233/234), que Marcelo Odebrecht apontou a existência de conta corrente a título de propina de nome “amigo”, que seria destinada a despesas pessoais do ex-presidente Lula. No caso, são citadas vantagens indevidas como a reforma de sítio do ex-presidente em Atibaia, além de pagamentos ao Instituto Lula e viagens em jato particular. Especificamente quanto ao primeiro fato, sua apuração se deu por meio da ação penal 5021365-32.2017.404.7000, que tramitou perante a 13ª Vara Federal de Curitiba-PR (especializada).Deste modo, determino a remessa dos autos a uma das varas especializadas desta Subseção Judiciária para a apuração do crime de lavagem de dinheiro. A eventual unidade de processo e julgamento com a infração penal antecedente caberá àquele juízo, na forma do art. 2º, II, Lei 9613/98.Desde logo consigno que, na hipótese do D. Juízo ainda entender não ser de sua competência o processamento deste feito, a presente decisão servirá como razões de Conflito Negativo de Competência.Oficie-se a Autoridade Policial para que tenha ciência da presente decisão (a qual serve como ofício). Os demais requerimentos formulados pela Autoridade Policial deverão ser analisados pelo juízo competente.Intime-se o MPF e, após, remetam-se os autos com as cautelas de praxe.São Paulo, 18 de março de 2019. BARBARA DE LIMA ISEPPI Juíza Federal Substituta
Fonte: Estadão por Luiz Vassallo e Fausto Macedo